Coleção Zero à Esquerda Coordenadores: Paulo Eduardo Arantes e Iná Camargo Costa - Desafortunados David Snow e Leon Anderson - Diccionario de bolso do almanaque philosophico zero à esquerda Paulo Eduardo Arantes - Globalização em questão i- Paul Hirst e Grahame Thompson -A ilusão do desenvolvimento ' Giovanni Arrighi ' Giovanni Arrighi - Os moedeiros falsos t;: 'fiíív '• • José Luís Fiori •" - Metamorfose da questão social Robert Castel A ilusão do desenvolvimento - Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização Maria da Conceição Tavares e José Luís Fiori (Orgs.) - Terrenos vulcânicos DolfOehler ' .\ - Os últimos combates Robert Kurz Conselho Editorial da Coleção Zero à Esquerda tradução: Sandra Vasconcelos Otília Beatriz Fiori Arantes Roberto Schwarz Modesto Carone Fernando Haddad Maria Elisa Cevasco Ismail Xavier José Luís Fiori 2' Edição Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIF) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A' SBD-FFLCH-USP Arrighi, Giovanni A ilusão do desenvolvimento / Giovanni Arrighi ; | tradução de Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos |. - Petrópolis, RJ : Vozes, 1997. - (Coleção Zero à Esquerda) ' Título original: Woekers of the world at century's end. ISBN 85.326.1885-5 1. Desenvolvimento económico 2. Economia mundial 3. História económica - Século XX 4. Trabalho e classes trabalhadoras I. Título. II. Série. 97-4472 CDD-330.904 índices para catálogo sistemático: 1. Economia moderna : Século XX : História 330.904 2. Século XX : Economia moderna : História 330.904 Petrópolis 1997 • © 1997, Giovanni Arrighi SUMÁRIO -^Título do original inglês: Workers of the World at Century's End Direitos de publicação em língua portuguesa no Brasil: Editora Vozes Ltda. 7 Prefácio: Arrighi toma o elevador Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br ,;:í/ : •'; ' ANDAR SUPERIOR Brasil \ Costume e inovação: ondas longas e estágios do desenvolvimento capitalista Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer S3 A ascensão do Leste Asiático: um milagre ou muitos? meios (eletrônico, ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou 93 A ascensão do Leste Asiático: aspectos regionais e arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão sistémicos mundiais escrita da Editora. ANDAR INTERMÉDIO FICHA TÉCNICA DA VOZES 137 A estratificação da economia mundial: considerações PRESIDENTE sobre a zona semiperiférica Gilberto M.S. Piscitelli, OFM ' DIRETOR EDTTORIAL 207 A ilusão desenvolvimentista: uma reconceituação da Avelino Grassi semiperiferia EDITOR 253 A desigualdade mundial de renda e o futuro do socialismo Lídio Peretti DIRETOR INDUSTRIAL ANDAR INFERIOR , José Luiz Castro -i^ 295 Século marxista, século americano EDITOR DE ARTE 351 Trabalhadores do mundo no final do século Omar Santos ' EDITORAÇÃO Editoração e organização literária: Jaime A. Ciasen Revisão gráfica: Revitec S/C Capa e projcto gráfico: Mariana Fix e Pedro Fiori Arantes Supervisão gráfica: Valderes Rodrigues ISBN 85.326-1885-5 Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. A estratificação da e c o n o m ia m u n d i a l: considerações sobre a zona semiperiférica''' I. Colocação do Problema 1.1. Uma das características mais notáveis da economia mun dial é a existência de um número significativo de Estados que parecem estar permanentemente estacionados numa posição in termediária entre a "maturidade" e o "atraso", como diriam os teóricos da modernização, ou entre o "centro" e a "periferia", como diriam os teóricos da dependência. A título de ilustração, podemos pensar em alguns países latino-americanos, como a Argentina, Chile, México e Brasil; na Africa do Sul; e na maior parte dos países do sul e leste da Europa, incluindo a URSS. Ao longo do século X X, todos esses países experimentaram transformações sociais e económicas de longo alcance, freqiien- temente associadas a convulsóes políticas. Contudo, em aspectos * Esse capítulo (de Giovanni Arrighi e Jéssica Drangel) foi inspirado por questões levantadas no Research Working Group (RWG) on Semiperipheral States e num projeto anterior sobre a Política Económica do sul da Europa, ambos no Centro Fernand Braudel. Este último projeto estava principalmen te interessado na mudança política no sul da Europa. Seus resultados foram publicados em outra parte (Arrighi, 1985a). O RWG on Semiperipheral Sta tes foi formado há três anos e tem se ocupado da economia política e social de processos de desenvolvimento, através do exame de estudos de caso se- lecionados. No momento em que escrevemos esse artigo, os países analisados e as pessoas envolvidas no R WG eram os seguintes: África do Sul (William G. Martin), Argentina (Roberto P. Korzeniewicz), Chile (Miguel Correa), 137 A ILUSÃO DO DESENVOLVIMENTO A ESTRATIFICAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL importantes, eles não conseguiram "alcançar" o seleto grupo importância das posições intermediárias. Apresentadas prin de Estados que, em algum momento, estabeleceram os padrões cipalmente como qualificações e elaborações da teoria da de de status e riqueza do sistema mundial. Desse ponto de vista, pendência, algumas delas começaram a conceituar posições e considerados como um grupo de Estados, sua posição hoje intermediárias entre centro e periferia, ao definir países "su- parece ser tão intermediária quanto era 50 ou talvez 100 anos bimperiais" (Marini, 1969) ou "nações mediadoras" (Galtung, atrás. 1972). Outras teorias reconheceram a possibilidade de que o A existência de um grupo intermediário relativamente es desenvolvimento, em geral, e a industrialização, em particular, tável de Estados discrepa das expectativas tanto da teoria da poderiam ocorrer no interior dos Estados ao mesmo tempo modernização quanto da teoria da dependência. De acordo que ainda reproduziam uma estrutura de dependência (Car com a teoria da modernização, as posições intermediárias são doso & Faletto, 1979). temporárias porque são transicionais: os Estados passam a ocu Essas importantes qualificações e elaborações da teoria da par posições intermediárias no caminho do atraso à moderni dependência contêm dois defeitos principais. Em primeiro lu dade. Em contraste, de acordo com a teoria da dependência, gar, estão focalizadas de modo estreito demais n um caso es as posições intermediárias são temporárias porque são resi pecial, aquele do Estado "dependente" ou "subordinado", de duais: as tendências polarizadoras da economia mundial aca que alguns países latino-americanos são o exemplo perfeito. barão por empurrar os Estados que ocupam posições inter Esse foco deixa de considerar alguns dos mais significativos mediárias em direção ao centro ou em direção à periferia. exemplos de status socioeconómico intermediário - principal Partindo de premissas diferentes, na verdade opostas, as teorias mente a URSS que, longe de ser dependente ou subordinada, da modernização e da dependência concordam, assim quanto é u ma das duas superpotências mundiais. E, inversamente, à instabilidade essencial das posições intermediárias.' pode levar a incluir, entre os Estados intermediários, países 1.2. Essas visões foram implícita ou explicitamente con (como o Canadá) que atingiram, em todos os aspectos, status testadas, nos anos 70, por teorias que passaram a enfatizar a de núcleo orgânico, mas apresentam características de "depen dência estrutural". Em segundo lugar, as teorias em questão, ainda que basea índia (James Matson), Israel (Beverly J. Silver), Itália (Giovanni Arrighi), México (Jéssica Drangel), Polónia (Ravi Palat), Portugal (Carlos Fortuna), das numa perspectiva de sistemas mundiais, focalizam Estados Taiwan (Dennis Engbarth) e Turquia (Eyúp Õzveren). Agradecemos a todos individualmente, à medida que eles passam a ocupar posições os participantes do RWG, assim como a Immanuel Wallerstein e Brian Van intermediárias ou a experimentar "desenvolvimento depen Arkadie, pelas estimulantes discussões, comentários e críticas, em várias fases da preparaçáo do artigo. Agradecimentos especiais para Bill Martin e Beverly dente". Isso deixa a análise aberta a diversos tipos de "falácias Silver por comentários detalhados sobre uma versão anterior, para Bill Davis de composição", no sentido de que o que se julga verdadeiro, pela ajuda com o computador, e para Roberto Korzeniewicz e Trevor Abra- no caso de Estados individualmente, pode não ser verdadeiro hams pela colaboração na elaboração e apresentação dos dados. para grupos de Estados. Publicado originalmente em Review, X, 1, Summer 1986, 9-74. ' Essas tendências ainda são evidentes em estudos mais recentes. Dessa ma 1.3. Baseando-se nessas teorizações anteriores, o conceito neira, Rostow (1978:561, et passim), por um lado, enfatiza a singularidade de semiperiferia de Wallerstein foi introduzido exatamente nacional de casos de crescimento económico estagnado. Por outro lado, Amin (1982:168,196, et passim) argumenta que a polarização é imutável, e que para evitar esses defeitos. Os detalhes do conceito serão exa os países semi-industrializados têm um futuro económico pouco promissor minados criticamente na segunda parte desse artigo. No mo pela frente. mento, é suficiente dizer que Wallerstein segue os teóricos da 138 139 A ILUSÃO DO DESENVOLVIMENTO A ESTRATIFICAÇÃO DA ECONOMLf\L dependência ao supor u ma economia mundial, estruturada nas Ao longo do tempo, os loci das atividades económicas vão mu relações núcleo orgânico-periferia. Essas relações, entretanto, dando... Daí a razão por que algumas áreas "progridem" e outras não ligam economias nacionais ou regionais, como na maioria "regridem". Mas o fato de Estados específicos mudarem sua das versões da teoria da dependência, mas atividades econó posição na economia mundial, da semiperiferia para o núcleo micas estruturadas em cadeias de mercadorias que atravessam orgânico, digamos, ou vice-versa, não muda, em si mesmo, a fronteiras nacionais. As atividades do núcleo orgânico são natureza do sistema. Essas mudanças serão registradas por Es aquelas que controlam u ma grande parte do excedente total tados individualmente, como "desenvolvimento" ou "regres são". O fator-chave a observar é que, no interior da economia produzido dentro da cadeia de mercadorias, enquanto que capitalista mundial, por definição, os Estados não podem todos atividades periféricas são aquelas que controlam pouco ou "se desenvolver" simultaneamente, já que o sistema funciona nada desse excedente. graças à existência de regiões desiguais de núcleo orgânico e de Todos os Estados incluem, dentro de suas fronteiras, tanto periferia (Wallerstein, 1979:60-61; em itálico no original). atividades do núcleo orgânico como periféricas. Alguns (países do núcleo orgânico) incluem predominantemente atividades De acordo c om essa conceituação, a importância relativa do núcleo orgânico, e alguns (países periféricos) incluem ati de cada estrato ou grupo de Estados permanece mais ou menos vidades predominantemente periféricas. Consequentemente, constante ao longo da história da economia capitalista mundial os primeiros tendem a ser o locus de acumulação e poder (Hopkins & Wallerstein, 1977:129). Supóe-se que essa estru mundiais, e os segundos, o locus da exploração e da impotên tura triádica estável da economia mundial, por sua vez, de cia." sempenhe um papel-chave na promoção da legitimidade e A legitimidade e estabilidade desse sistema altamente de estabilidade do sistema.' sigual e polarizador são reforçadas pela existência de países Nesse capítulo, discutirei exclusivamente a afirmação de semiperiféricos, definidos como aqueles que incluem, dentro que os Estados intermediários constituem u ma posição estru de suas fronteiras, u ma combinação mais ou menos igual de tural distinta da economia mundial. Investigarei se as três po atividades de núcleo orgânico e periféricas. Exatamente devi sições estruturais distintas da economia mundial podem ser do a essa combinação mais ou menos igual de atividades de identificadas empiricamente, e se a importância relativa de núcleo orgânico e atividades periféricas, desenvolvidas dentro cada estrato realmente permaneceu mais ou menos constante, de suas fronteiras, supóe-se que os Estados semiperiféricos têm não ao longo de toda a história da economia mundial, mas ao o poder de resistir à periferização, embora não tenham poder longo dos últimos 45 anos. suficiente para superá-la completamente e passar a fazer parte 1.4. Ainda que assim delimitado, o problema não apresenta do núcleo orgânico. solução fácil. As sugestões de Wallerstein sobre o modo de Esses pressupostos valem para grupos de Estados (do nú identificar a zona semiperiférica não ajudam muito. N um texto cleo orgânico, semiperiféricos, periféricos), mas não para Es antigo sobre esse assunto, ele responde à pergunta: " C o mo tados individualmente: podemos identificar um Estado semiperiférico quando encon tramos um?", fornecendo dois critérios: u m, "[num] sistema 2 As reflexões de Wallerstein sobre a semiperiferia estão espalhadas em livros e artigos publicados nos últimos dez anos. Os artigos mais importantes podem 1 Trata-se de uma suposição adicional que diz respeito à função da zona ser encontrados em Waller.stein (1979 e 1984) e a formulação mais recente semiperiférica e que não é nem necessária nem suficiente para explicar sua em Wallerstein (1985). existência. 140 141 A ESTRATIFICAÇÃO DA ECONOMIA MUNDL\ A ILUSÀO DO DESENVOLVIMENTO Milkman, que saúda o conceito como " um aperfeiçoamento de troca desigual, o Estado semiperiférico fica no meio, em em relação aos esquemas de duas categorias, ainda prevale termos dos produtos que exporta e em termos dos níveis sa centes em muitas das teorizações sobre relações internacio lariais e margens de lucro que conhece"; e, dois, "[o] interesse nais", considera-o " um dos componentes mais fracos e mais direto e imediato do Estado como uma máquina política no ambíguos do sistema de Wallerstein" (1979:264). Evans, que controle do mercado (interno e internacional) é maior do que usa o conceito para situar seu "modelo brasileiro", admite nos Estados do núcleo orgânico ou nos periféricos" (1979: francamente que "[até] que a ideia de 'semiperiferia' seja es 71,72). pecificada teoricamente e as características dos países 'semi N um texto posterior, ele nos diz que a semiperiferia periféricos' sejam melhor elaboradas, o uso do termo é pri ; - inclui os países economicamente mais fortes da América Latina: mordialmente um modo de afirmar que existe uma categoria jV; Brasil, México, Argentina, Venezuela, possivelmente o Chile e distinta de países que não podem ser simplesmente conside Cuba. Inclui toda a faixa externa da Europa: a parte sul de Portugal, a Espanha, Itália e Grécia; a maior parte da Europa rados 'periféricos' e, contudo, são estruturalmente distintos do Leste; partes da região norte, como a Noruega e Finlândia. dos países do centro" (1979:291). - ' Inclui uma série de países árabes: Argélia, Egiro e Arábia Sau Esse é um uso mínimo do conceito de semiperiferia que dita; e também Israel. Inclui, na África, pelo menos a Nigéria não faz justiça ao seu impulso inovador e à riqueza de suas e o Zaire e, na Ásia, a Turquia, Irã, índia, Indonésia, China, implicações teóricas e práticas. Aceitaremos, portanto, o de Coreia e Vietnã. E inclui a velha Comtnonwealth branca: Ca safio de Evans no sentido de uma maior especificação teórica nadá, Austrália, África do Sul e, possivelmente, a Nova Zelân e da operacionalização do conceito em questão. Começare dia (Wallerstein, 1979:100). mos, na Parte II, com a reapresentação e com a elaboração da Fica claro, de imediato, que essa longa lista de Estados conceituação que Wallerstein faz da semiperiferia. Na Parte (que inclui algo da ordem de dois terços da população mundial) III, derivaremos, da revisão dessa conceituação, critérios ope não se baseia nos dois critérios apresentados acima. Inclui Es racionais para a identificação empírica das três zonas da eco tados que (1) exportam uma grande diversidade de produtos, nomia mundial. C o mo fica claro, a aplicação desses critérios (2) se caracterizam por uma grande diversidade de níveis sa a dados que cobrem o período de 1938-83 nos permite não lariais (e, tanto quanto se pode dizer, margens de lucro), e (3) apenas identificar as três zonas em questão, mas também obser buscam uma grande diversidade de políticas em relação aos var alguns padrões interessantes de desenvolvimento da eco mercados interno e mundial. Na realidade, a lista simplesmen nomia mundial como um todo e de cada uma de suas zonas. te inclui todos os Estados que parecem ocupar uma posição A quarta e última parte do artigo delineará brevemente as intermediária na economia mundial, do ponto de vista ou de principais implicações teóricas dessas descobertas e o trabalho seus níveis de renda ou de seu poder no sistema inter-Estados. que ainda fica por fazer. A ligação entre essas posições e a estrutura da economia mun dial, tal como expressa no conceito de semiperiferia, se perde inteiramente, e a lista poderia ter sido organizada sem qualquer //. O Conceito de Semiperiferia referência a esse conceito. II.1. Já se observou que o conceito de semiperiferia per Não é de se estranhar que até mesmo estudiosos que nu manece prisioneiro da ambiguidade de seus usos. Pois ele nos trem simpatia pelo conceito de semiperiferia se queixem de remete a duas definições diferentes, sem realmente reconciliá- suas ambiguidades e falta de operacionalidade. Dessa maneira. 143 142 A ILUSÃO DO DESENVOLVIMENTO A ESTRATIFICAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL las. U ma é económica: a semiperiferia é localizada no espaço a estrutura da economia mundial, enfrentamos mais ambigui e cobre aquelas regiões onde a soma dos "excedentes" que dades. A dicotomia se destina a designar a distribuição desigual entram e saem flutua em torno do ponto zero. Isso sugere uma de recompensas entre as diversas atividades que constituem a situação intermediária na hierarquia da economia mundial, divisão do trabalho, com formato de um arco único, que define ligando um equilíbrio negativo com o "núcleo orgânico" e um e demarca a economia mundial. Supõe-se que todas essas ati equilíbrio positivo com outros países, menos avançados... A vidades são integradas em cadeias de mercadorias.'* Essas ca outra definição é política. Ela enfatiza a ação voluntária dos deias podem ser analisadas de dois pontos de vista distintos. Estados para melhorar a posição relativa de seus países, acei Um deles é aquele típico da economia clássica, assim como da tando a competição, mas, ao mesmo tempo, buscando u ma sua crítica Marxiana. Concentra-se na distribuição do produto política de equiparação (Aymard, 1985:40). total entre os rendimentos do trabalho, os rendimentos da Essa ambiguidade é combinada ao fato de o termo "semi propriedade e um residual a que se pode referir como "lucro periferia" ser usado, às vezes, para sugerir uma posição inter puro" ou rendimento empresarial. O outro é aquele típico da mediária na hierarquia do sistema inter-Estados. Subjacente à teoria dos sistemas mundiais. Concentra-se na distribuição do longa lista de países periféricos de Wallerstein, mencionada na produto total, não entre os fatores de produção, mas entre os Parte I, está uma confusão entre a posição de um Estado em diversos nós da cadeia de mercadorias ("atividades económi relação à divisão mundial do trabalho e sua posição no sistema cas") - sendo que cada um consiste de uma combinação de inter-Estados, por exemplo. Ela fica ainda mais clara na alegação diferentes fatores de produção. de Chirot de que, já que a completa descolonização reduziu o Os economistas clássicos (e Marx), propositalmente, pu poder diferencial entre os Estados do núcleo orgânico e os da seram de lado (principalmente através do pressuposto da pura periferia, a soberania formal eliminou a periferia, e os países da competição) a desigualdade de recompensas que advêm para Ásia, África e América Latina podem agora ser incluídos na ca diferentes unidades do mesmo fator de produção quando elas tegoria dos semiperiféricos (1977:148,179-81). buscam remuneração em diferentes tipos de atividade. A teoria Para evitar essas ambiguidades, usaremos o termo "semi dos sistemas mundiais coloca no centro de sua conceituação periferia" exclusivamente para nos referirmos a uma posição exatamente o que os economistas clássicos haviam posto de em relação à divisão mundial do trabalho e nunca para nos lado. Ao fazer isso, entretanto, reteve o termo "excedente" referirmos a uma posição no sistema inter-Estados. Ao fazer (através do qual os economistas clássicos designaram os ren isso, não sugerimos que o comando nas arenas económica e dimentos não provenientes do trabalho) sem definir claramen política mundiais não esteja estreitamente inter-relacionado. te seu significado na nova construção teórica. Pelo contrário, queremos enfatizar que a separação dos dois Do nosso ponto de vista, o uso do termo "excedente" não tipos de comando é uma peculiaridade da economia capita é necessário nem ajuda a definir as relações núcleo orgânico- lista mundial (em oposição aos impérios mundiais), que deve ser submetida a um detalhado exame empírico e teórico, em vez de ser suposta através da postulação de sua identidade 4 "Tome-se um item de consumo final e remonte-se à origem do conjunto (ver II.5, abaixo). de insumos que culminou no item - as transformações anteriores, as maté- rias-primas, os mecanismos de transporte, o insumo de mão-de-obra em cada II.2. Ao nos voltarmos para a dicotomia núcleo orgânico- um dos processos materiais, os insumos de alimentação na mão-de-obra. A esse conjunto interligado de processos chamamos de uma cadeia de merca periferia, através da qual a teoria dos sistemas mundiais define dorias" (Hopkins & Wallerstein, 1977:128). 144 145 A ILUSÃO DO DESENVOLVIMENTO A ESTRATIFICAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL periferia. Tudo o que precisamos é pressupor que os atores oposição às recompensas agregadas, são ou não maiores ou económicos (independente de buscarem ou não uma remu menores nas atividades do núcleo orgânico e da periferia. De neração pela força de trabalho, bens ou energias empresa pende de como as recompensas agregadas são distribuídas en riais), longe de aceitar a competição como um dado, procuram tre salários, remunerações e lucros dentro de cada atividade. continuamente transferir, e alguns conseguem transferir, a Para determinar isso, precisamos de suposições e hipóteses pressão da competição de si próprios para outros atores.' adicionais que não dizem respeito à definição de atividades do C o mo resultado, os nós ou atividades económicas de cada núcleo orgânico e periféricas. Podemos supor que os lucros uma das cadeias de mercadorias tende a se polarizar em po- absorvem todo o diferencial entre as recompensas das ativida siçóes que transferiram as pressóes da competição para ou des do núcleo orgânico e da periferia, sendo que, neste caso, tro lugar (atividades típicas do núcleo orgânico) e posiçóes os salários e/ou remunerações serão os mesmos em ambos os para as quais essa pressão se transferiu (atividades periféri tipos de atividades. Ou podemos supor que os salários e/ou cas). remunerações absorvem o diferencial, sendo que, neste caso, Segue-se daí que as recompensas agregadas em atividades os lucros serão os mesmos nas atividades do núcleo orgânico periféricas tenderão a se aproximar dos níveis de remune e da periferia. E somente sob um conjunto extremamente res ração que são apenas marginalmente mais altos do que aque tritivo de suposições, como sugerem e o fazem Wallerstein les que os fatores de produção nelas envolvidos alcançariam (1979:71; 1984:16), Chase-Dunn (1984:87) e outros, que po coletivamente fora da divisão mundial de trabalho. Em con demos usar o nível de salários (ou de lucro) como um critério traste, as recompensas agregadas em atividades típicas do para distinguir as atividades do núcleo orgânico e da periferia. núcleo orgânico tenderão a incorporar a maioria, se não Esse conjunto restritivo de suposições não é nem necessário todos, dos benefícios globais da divisão mundial de traba para definir rigorosamente as relações núcleo orgânico-peri lho.*^ E uma outra questão se as recompensas de cada classe feria, nem útil para capturar a variedade de situações (em ter de fatores de produção (salários, remunerações e lucros), em mos de distribuições fatoriais de recompensas) nas e através das quais as relações núcleo orgânico-periferia se reproduzi ram historicamente. No que se segue, consideraremos, por s Este foi realmente o espírito das formulações originais da dicotomia cen- tanto, apenas o nível das recompensas agregadas como in tro-pcriferia de Prebisch e seus colegas (Nações Unidas, 1950; Prebisch, 1959). Essa formulação, no entanto, não levou suficientemente em conta a dicativo do status de núcleo orgânico ou de periferia de uma dinâmica e os aspectos de longo prazo da relação. Ver Hopkins e Wallerstein atividade. (1977:115-16) c 11.3. abaixo. ' Podemos optar por usar o termo "excedente" como uma designação abreviada II.3. Supomos, além disso, que nenhuma atividade es do diferencial entre o produto total de uma cadeia de mercadorias e as recom pecífica (quer definida em termos de sua produção ou da pensas totais que adviriam para os fatores de produção se eles fossem remune rados de acordo com as taxas obtidas nas atividades periféricas. Se fizermos isso, técnica usada) é inerentemente típica do núcleo orgânico ou podemos dizer (como na seção 1.3 acima) que as atividades do núcleo orgânico típica da periferia. U ma atividade pode se tornar, em um são aquelas que controlam uma grande parte do excedente total produzido no dado momento no tempo, típica do núcleo orgânico ou tí interior de uma cadeia de mercadorias e que as atividades periféricas são aquelas que controlam pouco ou nenhum excedente. Devemos, no entanto, ter cons pica da periferia, mas cada u ma t em aquela característica ciência de que, conceitualmente, essa noção de excedente é bem distinta da de por um período limitado. Apesar disso, há sempre alguns mais-valia usada por Marx e pelos economistas clássicos para designar os ren produtos e técnicas que são típicos do núcleo orgânico e dimentos de propriedade e empresariais. 146 147 A ILUSÃO DO DESENVOLVIMENTO A ESTRATIFICAÇÃO DA ECONOMIA MUNDL\ outros que são típicos da periferia em qualquer momento muito mais eficaz do que o faria uma distribuição mais igualitária e mais "justa", a atividade daquela grande maioria de homens dado/ de negócios que recebem de volta uma compensação muito mo A razão para essa suposição é que, seguindo Schumpeter, desta ou nada ou menos que nada, e que, contudo, fazem o vinculamos o impulso fundamental que gera e sustenta as pres máximo porque tém os grandes prémios diante dos olhos e su sões competitivas numa economia capitalista a inovações orien perestimam suas chances de se saírem igualmente bem. tadas para o lucro, definidas como "o estabelecimento de uma Schumpeter usou essa conceituação para desenvolver, entre nova função de produção" (1964:62) ou, em nossos termos, o outras coisas, a teoria da alternância de longas fases de "prospe estabelecimento, alargamento, aprofundamento e reestrutura ridade" e "depressão" económicas, ou fases A e B, como são ção de cadeias de mercadorias. Definidas de modo amplo, as chamadas agora. Ao supor que as revoluções nas funções produ inovações incluem a introdução de novos métodos de produção, tivas ocorrem em movimentos descontínuos, que se separam uns novas mercadorias, novas fontes de suprimento, novas rotas de dos outros por períodos de comparativa calma, ele dividiu o comércio e mercados e novas formas de organização. funcionamento incessante do processo de destruição criativa em A intromissão dessas inovações "revoluciona incessante duas fases - a fase da revolução propriamente dita e a fase da mente a estrutura económica, a partir de seu interior, destruin absorção dos resultados da revolução: do incessantemente a velha, criando incessantemente u ma nova" (Schumpeter, 1954:83). Na visão de Schumpeter, esse Enquanto essas coisas estão sendo iniciadas, temos um rápido processo de "destruição criativa" é a essência do capitalismo. dispêndio e "prosperidade" predominante ... e enquanto estão Por um lado, é "não apenas a mais importante fonte imediata sendo completadas e seus resultados aparecem, temos a elimi de ganhos, mas também produz indiretamente, através do pro nação de elementos antiquados da estrutura industrial e "de pressão" predominante (1954:68). cesso que põe em movimento, a maioria daquelas situações das quais surgem ganhos e perdas caídos do céu e nas quais as Do mesmo modo que Schumpeter supôs que as inovações operações especulativas adquirem escopo significativo" orientadas para o lucro e seus efeitos (o refreamento da com (1964:80). Por outro lado, causa desequilíbrios e competição petição n um extremo e sua intensificação, no outro) se agru implacável; torna obsoletas as combinações produtivas pre pam no tempo, podemos supor (independente da validade existentes; impõe perdas generalizadas (1964:80). daquela outra afirmação) que se agrupam no espaço. Dito de Conseqíientemente, outro modo, podemos substituir "enquanto" por "onde" na prémios [espetaculares] muito maiores do que teria sido neces citação acima e lê-la como uma descrição das relações núcleo sário para suscitar o esforço específico são lançados a uma pe orgânico-periferia no espaço, ao invés de uma descrição de quena minoria de ganhadores, impulsionando assim, de maneira fases A -B no tempo.'* 7 Isso diferencia nossa posição daquela de Prebisch e da Comissão Económica para a América Latina (CEAL) a que nos referimos na nota 5. Wallerstein s Poderíamos, naturalmente, manter as duas leituras e vincular a uma fonte tem o mérito de ter desvencilhado o conceito de relações núcleo orgânico- comum os dois tipos de desigualdade. Para um passo tentativo nessa direção, periferia de qualquer par específico de produtos (tais como matérias-primas ver Arrighi et al. (1986). Também poder-se-ia observar que a citação anterior versus produtos manufaturados) ou de qualquer par específico de regiões/ de Schumpeter (1964:73-74) não precisa ser alterada para ser lida como países. Ele ainda mistura, entretanto, a relação núcleo orgânico-periferia uma descrição das relações núcleo orgânico-periferia - a menos que queira com o uso de técnicas mais ou menos mecanizadas (ver, por exemplo, mos torná-la mais geral, substituindo "homens de negócios" por "atores 1984:16). económicos e políticos". 148 149 A ILUSÃO DO DESENVOLVLMENTO A ESTRATIFICAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL II.4. As empresas capitalistas raramente se envolvem numa domínio organizacional para atividades que estão fora desse única atividade, mas reúnem diferentes atividades dentro de domínio, gerando um fluxo contínuo de inovações dentro de seus domínios organizacionais e serão, portanto, caracteriza um dado domínio, e/ou transferindo o próprio domínio em das por combinações de atividades de núcleo orgânico e de resposta às inovações de outras empresas. Vamos nos referir a periferia. Consequentemente, ao buscar lucros máximos/mais esse grupo de empresas, dentro do qual as atividades de núcleo altos, cada empresa se empenhará continuamente em melhorar orgânico tendem a se agrupar, como "capital do núcleo orgâ aquela combinação, entrando em novos campos de operação nico" e à sua contrapartida (o grupo necessariamente maior e abandonando outros, e também transformando as atividades de empresas para cujo domínio de atividades a pressão da com nas quais está envolvida em qualquer momento dado. Isso petição é transferida) como "capital periférico" (ver Averitt, equivale a dizer que cada empresa capitalista, além de gerar 1968). pressões competitivas através de inovações, está sempre e si O agrupamento das atividades de núcleo orgânico e de multaneamente envolvida em responder às pressões criadas periferia em dois grupos diferentes de empresas não produz por outras empresas - isto é, em abandonar (ou transformar) em si e por si mesmo uma polarização semelhante do espaço as atividades nas quais a pressão competitiva é alta ou cres da economia mundial em zonas do núcleo orgânico e zonas cente, e entrar em atividades nas quais a pressão competitiva periféricas. Certamente, a polarização das empresas capitalis é baixa ou decrescente. tas terá, em qualquer momento dado, uma dimensão espacial Duas coisas devem ser registradas nesse processo. Em pri no sentido óbvio de que o capital do núcleo orgânico deve se meiro lugar, é um jogo de soma zero. C o mo a ascensão de uma localizar em algum lugar. Podemos também supor que as em atividade ao status de núcleo orgânico implica o declínio de presas do núcleo orgânico são atraídas aos mesmos locais por uma outra ou mais atividades ao status de periferia (isto é, uma economia externa que resulta do fato de elas se manterem implica que as pressões competitivas foram deslocadas de uma unidas. Podemos chamar o conjunto desses locais de a "zona atividade para outras atividades), o sucesso de uma empresa do núcleo orgânico". em melhorar sua combinação de atividades de núcleo orgânico De modo geral, entretanto, qualquer polarização espacial e de periferia sempre implica um rebaixamento mais ou menos desse tipo seria extremamente instável n um prazo mais longo generalizado das combinações de outras empresas. Em segun porque as "desvantagens de custo" dos locais na zona do nú do lugar, como a empresa capitalista é o locus de "acumulação" cleo orgânico inevitavelmente superariam suas "vantagens de (de bens, expertise, conhecimento especializado e organiza receita". Dito de outro modo, a principal vantagem para o ção), a capacidade presente de uma empresa em melhorar sua capital do núcleo orgânico de operar numa zona do núcleo combinação de atividades dependerá, até certo ponto, de seu orgânico é a proximidade aos mercados grandes e estáveis êxito passado em fazê-lo. proporcionados pelas altas recompensas que advêm para as O resultado é que as atividades de núcleo orgânico tende atividades de núcleo orgânico. Mas essas altas recompensas rão a se agrupar n um grupo relativamente pequeno de empre sempre se refletem, até certo ponto, em remunerações mais sas que, usando uma outra expressão de Schumpeter, "são o altas e/ou salários mais altos do que aqueles obtidos nas zonas agressor, por natureza, e empunham a arma realmente eficaz periféricas. Quanto mais o capital do núcleo orgânico se junta da competição (1954:89). C o mo já deveria estar claro, essa num local específico do núcleo orgânico, mais as desvantagens "arma realmente eficaz da competição" é a capacidade de associadas a essas remunerações e/ou salários mais altos podem transferir continuamente a pressão da competição de nosso superar as vantagens associadas à proximidade às altas receitas ISl ISO
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