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A Sabedoria dos Princípios PDF

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Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 1 SABEDORIA DOS PRINCÍPIOS Mário Ferreira dos Santos Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 2 A SABEDORIA DE TODOS OS TEMPOS "Tu és o imutável Supremo que nos é mister conhecer; tu és o alto sustentáculo e a alta morada do universo; tu és o guardião imperecível das leis eternas; tu és a alma sempiterna da existência". (Baghavad Gitâ – cap. 11 - v. 18) "Eu proclamarei ainda para ti a sapiência suprema - o mais alto de todos os saberes - tal que, conhecendo-a, todos os sábios se dirijam para a perfeição Suprema". (Baghavad Gitâ - capo 14 - V.1) "A Filosofia é um apetite da sabedoria divina, o anelo de assemelhar-se a Deus, tanto quanto é possível ao homem". Pitágoras "A sabedoria, pela qual somos sábios, é uma participação da sabedoria divina”. Santo Tomás "Muita sabedoria unida à mediana santidade é preferível à muita santidade com pouca sabedoria." Santo lnácio de Loyola "Se me oferecessem a sabedoria com a condição de guardá-Ia para mim, sem comunicá-Ia a ninguém, não a quereria". Sêneca "Para exercer um ofício, começa-se pela aprendizagem, para praticar a sabedoria, é necessário havê-Ia estudado". Demócrates "Os homens que sempre falam a verdade são os que mais se assemelham a Deus". Pitágoras Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 3 "Sê amigo da verdade até ao martírio; não sejas, porém, seu apóstolo até a intolerância”. Pitágoras "A verdade não está afastada da natureza humana. Se o que consideramos como verdade estivesse afastado da natureza humana não poderia aceilá-Io como verdade". Confúcio Não se trata, pois, de propor mais uma filosofia, mas de encontrar, afinal, o que anela toda filosofia: a sophia suprema. CAPÍTULO I MATHESIS MEGISTE Máthesis Megiste é uma expressão dos pitagóricos, que, traduzida para o nosso idioma, significa instrução suprema. Pitágoras dizia aos discípulos haver um conhecimento do qual os homens tinham uma posse virtual, atualizada em parte apenas por alguns sábios, transmissível aos discípulos, os quais, para poderem assimilá-Ia devidamente, seria mister estarem preparados. Os primeiros passos consistiam no fundamento, que era a Matemática, a Lógica, a arte de raciocinar e a Música. Com essas três disciplinas iniciais, prepararia ele as mentes dos discípulos para que pudessem penetrar nesse conhecimento, que é a súmula e o ápice de todo conhecimento possível a nós, caminho para uns, perdido, para outros apenas ainda não revelado, mas que levaria o ser humano à nítida compreensão dos fundamentos de toda e qualquer ciência. Máthesis Megiste era a suprema instrução. A palavra Máthesis tem sua origem em dois radicais, ma, man, que significa pensamento e thesis, que significa posição. Propriamente, Máthesis quer dizer pensamento positivo e megiste, superlativo de mega, significa máximo, ou seja: o máximo pensamento positivo. Quando falamos em pitagóricos, queremos nos referir aos que realmente seguem o pensamento genuíno do mestre de Samos, muito embora seja matéria discutível, como ainda veremos. Para Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 4 os pitagóricos, a Máthesis Megiste era uma linguagem que servia como metalinguagem para a ciência alcançável pelo homem. Podemos classificar a linguagem do homem em quatro tipos: a linguagem chamada pragmática, comum ao homem nas suas conversações quotidianas; a linguagem religiosa, que é uma linguagem simbólica, metafórica e alegórica, usada nos livros religiosos; a linguagem científica, na qual o homem dá, a pouco e pouco, conceitos nítidos às coisas por ele classificadas, de modo a transformar esses conceitos em verdadeiros instrumentos de trabalho; e finalmente, a linguagem divina ou filosófica, como chamam muitos, que é a da Máthesis Megiste, ápice de todas as linguagens, onde os conceitos atingem a sua máxima pureza, válidos em todos os setores do conhecimento humano. Assim a Máthesis Megiste constrói um universo de discurso válido para todas as esferas do conhecimento humano, enquanto que as diversas disciplinas têm o seu universo de discurso apenas delimitado ao seu campo. A Máthesis Megiste procura, assim, uma linguagem universal. Um dos setores da Máthesis Megiste mais conhecido de nós, cuja linguagem é universal, é o da Matemática, já que esta faz parte daquela, que, por ser genérica, é uma espécie de Metamatemática, uma metalinguagem, à qual poderíamos reduzir, de certo modo, as outras linguagens, que o ser humano pode construir nas diversas disciplinas. Ora, chegamos à conclusão, ao observar a obra de grandes filósofos, que todos captaram algo que constitui, pelo menos parcialmente, a matéria da Máthesis Megiste. Em toda Filosofia vamos encontrar a descoberta (vamos empregar este termo provisàriamente), ou a revelação de uma série de adágios, que são considerados como verdades per se notas, quer dizer, verdades evidentes de per si, que não necessitam de demonstração, e que vão servir, então, de instrumento àquela disciplina, e estas descobertas se acentuam na obra dos realmente grandes filósofos, onde observamos que todos esses adágios, que são achados, muitos indutivamente, outros através de reduções eidéticas, vão constituir uma espécie de universo, com uma coesão tão rígida, que, no fundo, todos eles dependem de um único princípio que, eideticamente, é a fonte e a origem de todos, que deles poderiam ser deduzidos, desde que dispuséssemos de um método capaz de extrair os juízos contidos, virtualmente, nesses princípios fundamentais. Essa realização n6s poderiamos fazer hoje, como vamos demonstrar nesta obra, fundando-nos em vinte e cinco séculos de ação no setor da Filosofia. Afirmavam os pitagóricos que essa ciência era conhecida de Pitágoras, o qual não pôde transmiti- la aos discípulos, por não os ter encontrado capazes de recebê-la, pois se diz que de tal se queixou a Teano, sua esposa, e à sua filha, Muia, que foram os seus melhores discípulos, razão pela qual guardava ainda, como secreta, não que ele pretendesse que assim permenecesse, mas que, para ser difundida, necessitava ouvidos de ouvir, olhos de ver. Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 5 Pitágoras foi um esotérico apenas prático, e não teórico. Não pretendia conservar o conhecimento para uma elite, como afirmaram os seus inimigos; pois na verdade, desejava que o conhecimento se difundisse. Mas para que esse conhecimento superior fosse acessível a muitos, era mister preparar os que deviam recebê-Io. Sem essa preparação, sem essa iniciação, tal conhecimento não seria devidamente assimilado, e poderia ser um fatorr de novas confusões. E consequentemente, era imprescindível constituir grupos capazes de disseminá-lo, mas sempre preparando, previamente, os que deveriam recebê-Io. Em suma, Pitágoras queria ser o bom semeador; semear não sobre terreno árido, mas sobre terreno devidamente preparado para receber a semente. Este é um dos pontos mais importantes, e sobremaneira ético de todo movimento esotérico, no sentido de Platão, no de Aristóteles, no de Pitágoras, o pensamento que se oculta, não com intenção de dá-lo apenas a um grupo de escolhidos, mas simplesmente que esse pensamento está oculto, não pode divulgar-se se não encontrar os capazes de recebê-Io, não, porém, para permanecer oculto; em suma, Pitágoras pretendia, com a organização de seu famoso Instituto, criar mestres, aptos a disseminarem o conhecimento, capazes de previamente prepararem os que deveriam recebê-lo. Seriam, assim, bons semeadores, como na parábola de Cristo. Máthesis Megiste, conseqüentemente, pretende ser o ápice do conhecimento, o ponto de convergência de todas as disciplinas, quando especulativamente tratadas; portanto, terá, como seu objeto, o princípio (arkhé), pois o busca. Em tôrno do princípio, ou em tôrno da arkhé, como chamavam os gregos, vai girar a sua especulação, cuja expressão encontramos no Evangelho de S. João, quando ele diz: No princípio (arkhé) era o Verbum (o Logos), e o Verbum (o Logos) estava em Deus; Lagos, aqui, com o precípuo sentido de sabedoria (sophia), como o veremos oportunamente. Quer dizer, o princípio tem de naturalmente confundir-se com o que em todas as idéias religiosas é considerado Deus. Este é sempre considerado, em todas elas, como o princípio de todas as coisas. A Máthesis não se dedica a estudar Deus enquanto Deus, mas o princípio enquanto princípio. Distinta, portanto, é a sua especulação, sem excluir a possibilidade de se dar uma fundamentação matética ao pensamento teológico. Como estamos hoje vivendo em um mundo, onde outra vez a banausia está dominando; quer dizer, o espírito do especialista, que o desenvolvimento técnico, desenvolvimento científico e econômico forçaram, inevitàvelmente os especialistas encontram uma dificuldade em ter uma linguagem comum entre si, para que possam comunicar-se. Ora, no decorrer dos 25 séculos, todos os filósofos pretenderam transformar a Filosofia em Máthesis Universalis, capaz de servir de ponto de comunicação. Todos pretenderam dar êsse sentido, pretenderam construir uma linguagem filosófica capaz de unificar os homens, para que pudessem entender-se, pertencentes que fossem às mais várias das disciplinas. Essa é uma intenção justa, e também, como veremos Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 6 mais adiante, fundada, justificada, e necessariamente temos de buscá-Ia, de maneira que grande parte da finalidade da Máthesis, não é apenas o conhecimento da verdade, mas, também, a busca de um instrumento, de uma linguagem apta a permitir que os homens se comuniquem, não descendo, como em geral fazem, ao que é inferior (como o esporte, que serve de tema comum para homens de cultura), mas que possam encontrar-se em linguagem mais elevada do que a da sua própria disciplina, e que estaria acima, e permitiria convergissem para um ponto comum. Há conveniência em fazer a distinção entre a filosofia especulativa e a filosofia prática. A primeira procura estabelecer o verdadeiro e o falso, enquanto a filosofia prática, como filosofia construída pelo homem na sua atividade fativa, naluralmente não tende para a verdade, nem para afastar-se do que é desconveniente; ou seja, tende mais para o certo e para afastar o errado. Quando se analisa a ideogênese humana e as operações volitivas do ser humano, à proporção que aí se desenvolve a linguagem filosófica, alcançando as espécies inteligíveis expressas, trabalha com conceitos mais puros. O entendimento tende normalmente para o especulativo. A Filosofia Especulativa é o resultado das operações superiores do entendimento humano, e quando nós observamos a vontade, que é uma orexis, um apetite racional para o bem, observamos que a vontade tende a escolher, entre as coisas, aquelas que sejam apetecidas, porque estas são as que correspondem à conveniência da natureza de quem delas apetece. São boas por isso, porque satisfazem alguma necessidade, ou vem em benefício de quem as apetece. A vontade tende racionalmente para o bem, às coisas que são convenientes ao apetente. Essa orexis impulsiona, naturalmente o ser humano a toda realização prática, e nós a encontramos propriamente na prática do ser humano, e não em outros seres do nosso globo, porque estes outros seres não estão munidos de vontade. Pode-se, assim, considerar a Filosofia Prática como produto mais alto da vontade posta em ação; quer dizer, é a realização intelectual do homem sobre a sua própria prática, sobre a sua dramaticidade, sobre a sua ação ao dominar as coisas, ao organizá-Ias, ao possuir uma visão do seu mundo, que é, em suma, ainda, um produto da vontade. Assim o entendimento, Ievado às suas últimas conseqüências, alcança a Filosofia Especulativa, e a vontade, nas suas máximas realizações, realiza a Filosofia prática. De forma que precisamos devidamente distinguir esses dois mundos. Há grandes discussões na Psicologia e nos referimos, aqui, não à que se vulgariza hoje, mas à filosófica, à Filosofia da Psicologia, que é esta tratada especulativamente. Um dos grandes problemas que surgem para ela, e que vão naturalmente penetrar em outros campos do conhecimento, consiste em saber qual é a natureza do entendimento e a natureza da vontade. Se ambos são apenas funções de um mesmo princípio, ou se são originados de dois princípios diferentes. Essas discussões não vamos fazê-Ias, nem delas tratar agora, porque serão facilmente resumíveis mais adiante. Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 7 Nós apenas podemos dizer que os resultados, como a Máthesis irá demonstrar, só podem ter uma fonte: a origem é a mesma. A vontade humana tem que ter a mesma fonte, a origem tem de ser a mesma. Não pode ser explicada pela físico-química, como pretendem alguns psicólogos modernos, porque a escolha do bem, a escolha de valores, não se resolve pela físico-química. Nem podemos explicá-Ia pela mecânica; conseqüentemente, temos de buscar outra fonte, outra origem para explicar a vontade, que se manifesta no homem, e que não se manifesta nos animais. Nestes, o que se verifica é a estimativa, não propriamente a cogitativa. Eles podem estimar mais uma coisa ou outra, conforme as suas conveniências, que se manifestam pelos instintos, mas nunca realizam aquela redução aos universais, com os quais trabalha a vontade, como acontece no ser humano. Este tema de Psicologia exige uma preparação longa, que teremos de fazer mais adiante. Como não é ele fundamental, por hora, para a nossa matéria, podemos partir apenas desta distinção entre a Filosofia especulativa e a Filosofia prática, aceitando, provisoriamente, como é evidente, que a primeira teria de ser, predominantemente, uma obra do entendimento, e que a prática terá que ser, predominantemente, uma obra da vontade. Mas ambas não estão separadas; não há um abismo entre ambas. Também não convém pensarmos, como o fazem muitos, que o homem pode apenas cingir-se à Filosofia prática, afastando-se completatamente da especulativa. As discussões em tôrno desta matéria podem tornar-se estéreis. À proporção que demonstremos que os fundamentos da Filosofia especulativa são válidos, também o são os da Filosofia prática, e os argumentos modernos de que esses postulados, estabelecidos na especulativa, não têm cabimen- to na prática, são produtos da má apreciação de pessoas indevidamente preparadas, inadvertidas ou, então, de má fé, que procuram ocultar a realidade. Verificaremos que entre a Filosofia especulativa e a prática não existe um abismo: uma pode trabalhar com a outra, e a Dialética será precisamente, neste setor, a arte de trabalhar com ambas, simultaneamente. O verdadeiro dialético será aquele que for capaz de aplicar os fundamentos da Filosofia especulativa na prática, como, por sua vez for capaz dessa ascenção da prática para o especulativo; o que for capaz da ida e da volta, capaz das operações regressivas, que se estudam na Psicologia, que se caracterizam, precisamente, no entendimento por essas duas direções: uma que parte das idéias universais para as particulares, em seus aspectos gerais, e outra que parte das particulares para atingir as universais, não só as de primeiro, como as de segundo e de terceiro graus. As de primeiro grau são as que abstraímos da nossa própria experiência, como o conceito de mesa, conceito de cadeira, conceito de árvore; as de segundo grau são as que afastam a materialidade. As primeiras afastam apenas a acidentalidade, e consideram a materialidade, e as segundas afastam a materialidade e vão considerar apenas o aspecto quantitativo, como são as abstrações da matemática, no sentido vulgar que se conhece, e, finalmente, as abstrações de terceiro grau, que afastam a materialidade, afastam a acidentalidade e vão considerar os aspectos formais, independentes de toda e qualquer presença das coisas concretas. A mente toma-as apenas nas abstrações máximas, como são as da Metafísica, como causa, efeito, Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 8 anterioridade, objeto, gênero, espécie, sujeito e predicado, conceitos que pertencem as abstrações de terceiro grau, as quais o homem usa junto com as de primeiro grau, pois todos n6s, de qualquer maneira, quer queiramos ou não fazemos sempre metafísica. Sabemos que a Matemática transformou-se numa linguagem da realidade, porque podemos tomar as coisas cósmicas, afastando delas o seu aspecto material e seu aspecto acidental, e considerá- las apenas sob o aspecto quantitativo. Somos capazes, consequentemente, de matematizar o mundo. Essa matematização do mundo foi que permitiu o desenvolvimento da Ciência, que, sem dúvida alguma, começou a desenvolver-se quando a Matemática começou a ser empregada, o que era da orientação dos pitagóricos. Sem matemática não é possível nenhum desenvolvimento intelectual superior. É fácil, pois, observar que, à proporção que a Matemática penetra na Ciência, esta se desenvolve. A Ciência aumenta o seu cabedal de conhecimento, e obtém outro tanto maior firmeza nas suas operações. O mesmo se dá na Filosofia quanto à Lógica, porque esta é o gênero da Matemática e esta, de qualquer forma, é uma espécie de Lógica, como ainda teremos oportunidade de ver. A Lógica tem igual papel em relação à Filosofia, pois esta se torna cada vez mais segura à proporção que o filósofo se torna mais lógico. Quer dizer: quanto melhor manejar o filósofo a Lógica, e for senhor dela, mais e melhor manejará a Filosofia, e tirará as suas melhores conseqüências. Podemos dizer que os esteios fundamentais do desenvolvimento de nosso conhecimento estão na Lógica e na Matemática. Por isso são elas as duas matérias fundamentais de todo curriculum clássico da Filosofia. A segurança no pensamento lógico e no pensamento matemático permite a segurança em todo restante do conhecimento humano. Verificamos, assim, que a Matemática, como a Lógica podem e se tornaram linguagens do nosso mundo e serviram como metalinguagem de todas as disciplinas, porque podemos reduzir todas elas, nos seus aspectos superiores, à Matemática e à Lógica. A Matemática não deve ser considerada nesse aspecto restrito que teve no Ocidente, no sentido apenas da matemática fundada nas abstrações de segundo grau, que seriam apenas as da quantidade. A Matemática, no sentido aristotélico, deveria fundar-se nas coisas abstraídas da sua materialidade e considerada na sua acidentalidade. Assim, como fomos capazes de construir uma matemática da quantidade, também poderíamos construir uma matemática da qualidade e assim sucessivamente, porque, no fundo, todos os outros acidentes, que são estudados por Aristóteles, estão de certo modo ligados a estes dois fundamentais, que são a qualidade e a quantidade, e posteriormente à relação. Quer dizer que, dentro desses três, podia-se construir uma matemática da quantidade, uma matemática da qualidade e uma matemática das relações. Quanto à matemática das relações e da qualidade poderiam perguntar se, nesse caso, teríamos de nos Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 9 afastar do quantitativo? Não, porque há um aspecto quantitativo também na qualidade, como há um aspecto qualitativo na quantidade, como há o aspecto quantitativo e qualitativo também na relação. Então a matemática moderna pode penetrar, como já o está fazendo, no terreno das relações, chegando até à idéia das funções, como relações de relações. Não se desenvolveu no campo da qualidade, e este foi o aspecto no qual falhou a matemática moderna. Daí a sua inaplicabilidade no campo da ciência prática, a que se refere à vida ética do homem. Assim, na Sociologia, na Economia, no Direito, na Religião, na Arte, a Matemática não ofereceu grandes contribuições, porque permaneceu apenas fundada em esquemas quantitativos. Há necessidade de se fundar na qualidade para que possa servir de instrumento, também, para manuseio desses departamentos do conhecimento humano. Para justificar uma matemática quaIitativa, que mais cedo ou mais tarde terá de ser construída, como sobre todos os aspectos que se apresente a unidade, segundo o seu esquema de participação, ter-se-á de construir matemáticas correspondentes, porque consideramos que a Matemática é um instrumento, como é a Lógica, de conhecimento. Assim como a Lógica matematiza os conceitos, a matemática terá de logicizar os esquemas de participação, a cujas espécies se reduzirão todas as espécies de unidade. O argumento de Zeno de EIéia nos oferece um exemplo, pois na quantidade, e num espaço, que pode ser potencialmente divisível, desde que consideremos apenas a extensão enquanto tal, poderíamos chegar à idéia de infinitude. A concepção de Zeno de Eléia parte do erro de não considerar qualitativamente os passos da tartaruga, quando, na verdade, eles também o são. Desde o momento que trabalhamos simultâneamente com a qualidade e a quantidade, o argumento de Zeno de Eléia é infantil. O erro de Zeno consiste em pensar que os passos de Aquiles se processem por pontos, quando eles se processam por totalidades que, qualitativamente, representam determinações substantivas. Quer dizer, são determinações qualitativas, que, conseqüentemente, dariam um número finito e, então, Aquiles superaria a tartaruga de qualquer forma. Ademais os passos de Aquiles são maiores que os passos da tartaruga e realizados num tempo menor. Compreende-se que toda argumentação de Zeno, apenas se fundava no quantitativo e a sua argumentação não estava concretamente bem fundada. Estava apenas abstratamente fundada, e até dentro dessa abstração era refutável, apenas para mostrar este aspecto. A Matemática apenas quantitativa não pode ser aplicada aos temas sociais. Mas o retomo da teoria dos conjuntos na Matemática, que a faz volver aos pitagóricos (que a estudavam na teoria dos Plethoi), abrirá o caminho para o qualitativo, porque os conjuntos, mais dia menos dia, terão que tomar aspectos qualitativos típicos, o que permitirá a construção, não propriamente de cálculos, no sentido dos da matemática quantitativa, mas de operações outras, próprias do Sabedoria dos Princípios Mário Ferreira dos Santos 10 qualitativo, como a operação de analogia, e daí, conseqüentemente, a de participação, e outras, que poderão ser amanhã matematizadas1. CAPÍTULO II A SABEDORIA DOS PRINCÍPIOS A Máthesis, conseqüentemente, tende a tornar-se também um método para que o homem alcance a sua meta, porque méth' odos, em grego, quer dizer o caminho, odos, que tende para algo (meth'), que ascende, quer dizer, o bom caminho, caminho que permite ao ser humano alcançar o fim desejado, de maneira que a Máthesis também quer servir como um método para que o homem alcance a verdade, que lhe é proporcionada. Quer ser, portanto, e é, uma metalinguagem mas, como tal, ela é não só uma semântica, como também uma sintaxe. Quer dizer: não só vai analisar os conteúdos dos conceitos puros do entendimento, como vai torná-los mais rígidos, mais seguros, mais depurados da parte fáctica, da parte prática, da parte comum da experiência humana, para considerar na sua pureza eidética máxima, como também ser uma sintaxe, porque irá reunir esses conceitos e compreender as interpretações, que eles possam manter entre si. Ela tende a construir uma perfeita linguagem para servir a todos, de cima abaixo, pela via de ascenso e pela via de descenso. E ela, conseqüentemente, pretende presidir a toda realidade atual, a realidade virtual, a potencial, portanto a possível e, também, a realidade impossível, porque a impossibilidade passa a ser tema importante para a Mathesis. Como decorrência, se ela tem de procurar esses fundamentos, ela tem de chegar aos princípios. Portanto, em torno do conceito de princípio têm de se fundamentarem as primeiras especulações matéticas. Ela, para ser rigorosa, tem de ser demonstrativa, tem de ter o rigor demonstrativo máximo, chegar às demonstrações apodíticas, à construcção de juízos universalmente válidos, e com deduções rigorosas desses juízos, e só assim será o que pretende ser: uma metamatemática. Por isso, tem de, fatalmente, ser uma disciplina de máximo rigor demonstrativo. Ela pode ser estudada ainda sinteticamente, analiticamente, e concretamente, seguindo os três caminhos de todo estudo bem orientado. 1A Máthesis Megiste, como décima ciência dos antigos, foi investigada por autores medievalistas e escolásticos, que a consideravam como produto da intuição sapiencial ou da contemplação sapiencial, descrita nos livros sopienciais da Biblia.

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